Introdução
O Lúdico é um instrumento pelo qual a criança se expressa no mundo. Por meio dessa prática cultural, presente no dia a dia infantil, que autores renomados desempenham suas pesquisas e afirmam que é na brincadeira que a criança aprende e constrói os conhecimentos necessários para seu pleno desenvolvimento.
Esse capítulo irá apresentar o lúdico na educação e na formação do educador, teorias e leis básicas para a compreensão da necessidade de transformar a educação em um instrumento motivador de mudança social e, também, criação de um novo cidadão.
As indicações de vídeos e livros são leituras complementares que ajudarão a compreender o tema apresentado. Salienta-se que o professor sempre deve estar em busca de renovação de estudos, capacitação e ensino continuado.
Lúdico e Educação
Nesta unidade, será abordada a importância de se aprender a brincar e utilizar o aprendizado a favor da educação, já que é um verdadeiro desafio prender a atenção dos estudantes de educação infantil nos dias atuais. Esse é o tipo de frase que mais se ouve nas salas dos professores em diversas escolas pelo país. Porém, se estamos rodeados de tecnologias e a escola não parece mais tão atrativa à criança, há necessidade de mudança por parte de alguns professores ao atuarem com as ferramentas que apenas a mudança de pensamento pode proporcionar.
Diante do exposto, os autores Perrenoud e Thurler (2010) reforçam que um profissional reflexivo não é apenas aquele que sabe refletir e analisar, que possui algumas ferramentas metodológicas e teorias, mas é aquele que reinventa o seu local de trabalho e a si mesmo enquanto pessoa e professor.
Não há necessidade de o professor ser brincalhão em sala de aula, porém, existem mecanismos para desenvolver o foco na aprendizagem e utilizar do lúdico para manifestar o saber, principalmente, na Educação Infantil. Dessa maneira, nessa fase o desenvolvimento escolar começa por meio do brincar, visto que o aprender brincando leva à criança a satisfação em procurar e concretizar o desconhecido. Por isso, é fundamental para a formação do pedagogo a priorização da ferramenta de se utilizar o Lúdico.
Conceito e Histórico do Lúdico na Educação
Segundo o dicionário, a palavra “lúdico” é adjetivo relativo a jogo e brinquedo, que visa mais o divertimento do que qualquer outro objetivo; é algo que se faz por gosto. Para a psicanálise, o lúdico está relacionado à tendência ou manifestação que surge na infância e na adolescência sob a forma de jogo (HOUAISS et al., 2009).
Para simplificar, Miranda (2013) apresenta o lúdico como uma categoria geral que engloba jogo, brincadeira e brinquedo. A tendência de nossa sociedade tecnológica, acostumada a viver no aproveitamento do hoje, é acreditar que o uso de jogos e brincadeiras veio há pouco tempo. Miranda (2013) explica que, na Grécia Antiga, Platão (437-348) baseava a educação para crianças com utilização de jogos educativos, a prática era nos primeiros anos de idade e para ambos os sexos.
A própria cultura grega dava importância ao esporte como formação da personalidade e do caráter humano, nesse contexto, eram inseridos cálculos com problemas concretos e, assim, as práticas de matemática lúdica eram iniciadas. Os problemas concretos eram direcionados aos da vida cotidiana, ligados aos reais negócios praticados naqueles tempos.
Naquela época, de acordo com Silveira (1998), as leis atenienses reforçaram a necessidade do jogo para a educação e enfatizavam a construção de profissões por meio do brincar. Porque aprender brincando é mais satisfatório, Platão acreditava que o professor deveria mediar o aluno na integração de seu brincar como construtor, para saber medir e os materiais, assim, a criança estaria apta a alcançar uma profissão com satisfação. Por essa razão, o lúdico precisa continuar em sala de aula, Silveira (1998) destaca que a regularidade dos cursos e aperfeiçoamentos deve ser buscada pelos docentes que atuam na área de Educação Infantil, como parte prioritária da busca pelo aspecto lúdico na sua formação para atender às crianças no seu desenvolvimento cognitivo.
Para os gregos, a educação oferecida na escola não era o suficiente, visto que eles entendiam que a sociedade também ensinava, assim, “para eles a cidade também educava tanto em suas reuniões políticas administrativas e jurídicas quanto nos jogos, nas artes, na arquitetura e nas representações dramáticas” (CINTRA; PROENÇA; JESUINO, 2010, p. 229-230). Eles acreditavam que os jogos educacionais eram auxiliares na formação do corpo, da mente, da ginástica, das artes, da música, da filosofia, da ciência e da moral, logo, “[...] o jogo físico, de caráter reparatório dos militares, possuía um grande valor pedagógico, direcionado para o ensino-aprendizagem [...]” (CINTRA; PROENÇA; JESUINO, 2010, p. 229- 230).
Ainda na Idade Antiga, a educação sensorial e o uso do jogo didático foram priorizados nas diferentes áreas de ensino. Passou-se a considerar as brincadeiras como recreação e a criança não tinha aceitação em seu comportamento espontâneo. Ao abordar o contexto histórico da ludicidade, verifica-se que o surgimento do lúdico na Antiguidade Greco-romana poderia estar ligado à ideia de relaxamento, necessária às atividades que exigem esforços físicos e intelectuais. Porém, Comênio (1957) destacou que não era fácil ensinar as crianças e que estas precisavam ser atraídas para experimentos de estudos, então, passaram a brincar com pedrinhas, bolas e corridas.
Na Idade Média, Àries (1981) salienta que os jogos, mesmo quando presentes nas atividades educativas, não eram analisados como um material pedagógico com capacidade de gerar aprendizagem, assim, tinha somente como alvo as atividades recreativas. Pode-se justificar que as crianças não recebiam tratamentos diferenciados, pois na época acreditava-se que elas eram adultas em menores estaturas.
Porém, como já abordado, existia uma perspectiva de mudança na Era Medieval, pois os diversos pensadores enfatizavam que a ludicidade auxiliava na educação escolar. Naquela época, as questões sociais ainda envolviam a educação, já que somente a nobreza tinha uma educação ideal. Platão, um dos principais defensores da educação, “afirmava que os primeiros anos da criança deveriam ser ocupados com jogos educativos, praticados pelos dois sexos, sob vigilância e em jardins de infância” (CINTRA; PROENÇA; JESUINO, 2010, p. 229).
De acordo com Kishimoto (1994), apenas no século XVIII houve a disseminação das brincadeiras e dos jogos. É importante destacar que esse fato ocorreu principalmente no âmbito rural, pois nessa esfera predominavam as populações em virtude da produção de bens, assim, tinham uma grande aglomeração de crianças que popularizaram as brincadeiras e os jogos. Ainda, conforme com a autora, após a Revolução Industrial e com o advento das tecnologias, em geral, o lúdico deixou de ser usado pelos adultos, sendo mais encontrado no cenário infantil.
Se para a psicanálise, conforme Houaiss et al. (2009), o lúdico tornou-se a manifestação por meio do jogo, foram os estudos de Jean Piaget (1896-1980), Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) e Sigmund Freud (1856-1939) que modificaram as formas de se conhecer o desenvolvimento do ser humano. Nesse contexto, Rischbieter (2011) apresenta as perspectivas dos estudiosos sobre o comportamento infantil mediante os jogos. O autor aponta quais são as contribuições de se utilizar os jogos para a criança, para ele, Jean Piaget afirma que a as crianças discutem umas com as outras, interagem em seus papéis, quando interagem passam a aprimorar os significados aos objetos e desenvolvem as regras para convivências, assim, ficam mais ativas e inteligentes.
Ainda para o autor, Rischbieter (2011), Lev Semenovitch Vygotsky apresenta o jogo como uma atividade que origina a imaginação e, consequentemente, a inteligência criativa. Sigmund Freud traz a importância do jogo para que a criança possa expressar seus desejos mais íntimos, assim, ela poderá descarregar sua agressividade e, também, colaborar para a construção de sua liberdade.
Segundo Piaget (2011, p. 64), "[...] o brincar implica uma dimensão evolutiva. Crianças diferentes com características específicas têm maneiras diferenciadas de brincar”. Dessa forma, a brincadeira não pode ser vista como um momento sem valor que em nada contribui para a formação da criança, pois considerando que é básica, principalmente para as séries iniciais, deve ser proposta e conduzida pelo professor com base nas características de cada uma presente em sua sala de aula e pressupor um planejamento adequado à faixa etária em que será aplicada.
Fonte: Rawpixel / 123RF.
Dando continuidade, Negrine (1994) assegura que o lúdico é uma atividade eficaz na construção do desenvolvimento infantil, pois o ato de brincar origina um espaço para pensar e, por meio deste, a criança progride no raciocínio, amplia o pensamento, estabelece contatos sociais, compreende o meio, desenvolve habilidades, conhecimentos e criatividade, pois ela se utiliza de todos os movimentos necessários do corpo para desenvolver as suas brincadeiras.
Becker (2001) menciona que o lúdico possibilita o prazer e alegria nas aulas, não importando a etapa da vida em que o ser humano esteja e adiciona uma suavidade ao hábito da sala de aula, fazendo com que o aluno aprenda melhor e de maneira mais significativa.
Aconteceram importantes renovações na educação: o pensamento pedagógico é concretizado nas teorias da Escola Nova e reformas importantes começam a acontecer. No Brasil, as conquistas foram crescendo e formaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN, 9394/96).
A LDBN, nº. 9394/96, expressa o avanço do pensamento pedagógico transcrito no artigo 1º: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996, p.9). É nesse cenário que a escola integra parte da educação da criança, assim como a família e os responsáveis legais.
De acordo com Gadotti (1990), há duas vertentes que possuem o pensamento pedagógico brasileiro, a Liberal e a Progressista. A Liberal é composta por educadores que defendem a liberdade, o ensino de pensamento, os métodos e a pesquisa baseados na natureza da criança; por sua vez, a Progressista é regida por teóricos e educadores que acreditam no envolvimento da escola na formação de um cidadão crítico e ativo na mudança social. A partir desse contexto, os estudos na Nova Escola, elaborados por um de seus pioneiros, Lourenço Filho, afirmavam que as escolas - sem qualquer comunicação entre si - não privilegiam o estudante viver em sociedade, pois ele não interage com o outro e não assume o seu papel como cidadão.
Os fatos fizeram com que na década de 90, com a LDBN (1996), as escolas brasileiras começassem a discutir a interação com os estudantes e as possibilidades de repensar o pedagógico. Porém, um fator entristecedor que ocorreu foi que algumas escolas deixaram de aplicar a Ludicidade e alguns resgates são necessários para que haja a valorização da criatividade apresentada nas brincadeiras: o desenvolvimento das crianças.
SAIBA MAIS
Você sabia que existe o Dia Internacional do Brincar? Ele é celebrado em 28 de maio. Tem o propósito de lembrar do artigo 31º da Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas. Como a vida adulta é muito atribulada, o dia foi criado para que haja mais interação entre os responsáveis e as crianças. Vale de tudo um pouco, principalmente, atividades ao ar livre: piquenique, jogo de bola, brincar no parque, reações com os avós, jogos com os pais e brinquedos infantis. Para saber mais, acesse: <https://www.calendarr.com/portugal/dia-internacional-do-brincar/>.
Fonte: Adaptado de Calendarr (on-line).
Educação Infantil garantida por Lei
Esse tópico é necessário para o entendimento da Educação Infantil quanto à sua aplicação na vida da criança, pois se no futuro professor não conhecer de onde vem as bases na lei, ele pode não entender o quão preciso é a participação dele na vida de uma criança.
A Educação Básica é oferecida em creches e pré-escolas para crianças de até cinco anos de idade, promulgada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e assegurada pela Constituição Federal Brasileira como Educação Infantil. Considerando a emenda constitucional de 2006: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV - Educação Infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).
Nesse caso, a atribuição ao Estado-Nação do dever de proporcionar à sociedade o acesso à Educação Infantil a todas as crianças de zero a cinco anos de idade. O atendimento das crianças de até quatro anos é oferecido em creches, nomeadas em muitos municípios como Centro Municipal de Educação Infantil. Elas oferecem atendimentos em período parcial ou integral. Já as crianças de quatro e cinco anos são atendidas em pré-escolas para socializarem com o Ensino Fundamental. Assim, assegura a LDBN/96:
Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL,1996, on-line).
De acordo com Medeiros e Rodrigues (2015), no decorrer dos anos, a Educação Infantil deixou de ser apenas assistencialista, ganhou novos estudos e com novas concepções estabelecidas em leis, abrangendo a população geral e não apenas as famílias mais pobres ou com risco de pobreza. Segundo os autores, a intensificação acerca do tema, dando ênfase à promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), é fundada no Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI).
Nesse contexto, enfatizam a utilização dos jogos e das brincadeiras no espaço das escolas de Educação Infantil por verificarem a necessidade de se agir para o desenvolvimento global da criança a partir dos aspectos físico, intelectual, social e psíquico.
O RCNEI é um documento de orientação pedagógica para a Educação Infantil, dividido em três volumes:
- Primeiro volume: é introdutório e trata da criança em si e de seu processo de formação criança enquanto ser humano;
- Segundo volume: trata da formação pessoal e social e abrange o processo de formação da identidade e autonomia da criança;
- Terceiro volume: aborda o conhecimento de mundo, representado em eixos, cujo enfoque destaca a música, o movimento, as artes visuais, a linguagem oral e escrita, a natureza, a sociedade e a matemática.
O brincar é praticamente o agir do lúdico, segundo o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil, volume 1:
Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras, as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação, Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e experimentação de regras e papéis sociais (BRASIL, 1998, p. 22).
Por isso, torna-se necessária a brincadeira orientada no desenvolvimento infantil, como um instrumento a proporcionar o desenvolvimento da criança de forma a utilizar o seu potencial, capaz de se autoconhecer e de se reconhecer na interação com seus pares. Evidencia-se, aqui, que poderá acontecer mesmo antes da inserção na escola de Educação Infantil, ou seja, no ambiente familiar em que ela está inserida. Observa-se no RCNEI, volume 2:
Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças também se apropriam do repertório da cultura corporal na qual estão inseridas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil devem favorecer um ambiente físico e social onde as crianças se sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo tempo seguras para se arriscar e vencer desafios. Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais ele lhes possibilitará a ampliação de conhecimentos acerca de si mesmos, dos outros e do meio em que vivem (BRASIL, 1998, p. 15).
Nesse contexto, a utilização de jogos e brincadeiras nas atividades pedagógicas não deve apenas visar o desenvolvimento da ludicidade no sentido tão somente de prazer do brincar, mas principalmente ser coadjuvante do processo de desenvolvimento dos raciocínios lógico, cognitivo e social.
Infere-se, portanto, que os jogos e as brincadeiras na Educação Infantil possuem relevância para o desenvolvimento global da criança, além de prepará-la para a fase de alfabetização, etapa na qual necessita adaptar-se aos novos desafios da escrita e da leitura.
De acordo com Kishimoto (2010), o acompanhamento do brincar na sala de aula é extremamente importante, porém, há necessidade de garantia do governo federal para que os RCNE realmente sejam cumpridos, conforme apresentam em sua teoria. Por exemplo, nos municípios que cuidam da Educação Infantil, a autora exemplifica que nas escolas da cidade de São Paulo chegam a ter 35 crianças em uma sala de aula, enquanto nos referenciais a quantidade de 25 crianças é assegurada.
No entanto, Friedmann (2012) esclarece que mesmo que o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil tenha resgatado a importância do brincar nas instituições de Educação Infantil, isso por si só não está garantido pelo simples fato de ter aberto possibilidades de discussão, de reflexão e de crítica sobre o tema. Para a autora, há necessidade da conscientização de que o brincar é primordial no trabalho com crianças de 0 a 6 anos e que essa conscientização seja tanto do professor quanto dos demais participantes do corpo educacional dessas instituições.